BCE volta a descer juros para 2,5% apesar da incerteza global Inflação oscila ligeiramente. Economia europeia está à beira de recessão. E há a ameaça de os EUA subirem as tarifas. 06 mar 2025 min de leitura A incerteza no contexto internacional está a escalar. Além dos conflitos armados na Ucrânia e no Médio Oriente, a Europa vê-se a braços com a nova política protecionista de Donald Trump, presidente do EUA, que ameaça aumentar as taxas alfandegárias. Mas, mesmo assim, o Banco Central Europeu (BCE) voltou a descer as suas três taxas de juro diretoras em 25 pontos base esta quinta-feira, dia 6 de março, um movimento que mostra a sua confiança na estabilização da inflação na zona euro (em 2%) e o seu empenho em estimular a economia europeia que está no limbo de uma recessão. Uma vez mais, o regulador europeu foi ao encontro das expectativas dos analistas e dos mercados e avançou com aquele que é o sexto corte dos juros desde que iniciou o ciclo de alívio da sua política monetária em junho de 2024. Com a nova descida de 25 pontos base decidida na reunião realizada esta quinta-feira, dia 6 de março, os juros do BCE passam a fixar-se nos seguintes valores, com efeitos a partir de 12 de março: Taxa aplicada à facilidade permanente de depósitos diminui para 2,5%; Taxa de juro das principais operações de refinanciamento desceu para 2,65%; Taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez cai para 2,9%. “O BCE continua com a sua agenda de redução controlada da pressão monetária, apesar dos possíveis riscos da política tarifária da administração Trump, bem como do previsível aumento dos gastos com defesa”, comenta Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal. Na sua visão, haverá a confiança de que “estes riscos serão mitigados pela menor procura dos consumidores, especialmente em economias como a França ou a Alemanha, que permanecem fracas”. Taxa de refinanciamento do BCE: como está a evoluir? Jul ’22Out ’22Jan ’23Abr ’23Jul ’23Out ’23Jan ’24Abr ’24Jul ’24Out ’24Jan ’250,00,51,01,52,02,53,03,54,04,55,0% Taxa de juro diretora 2,65% Fonte: BCECriado com Datawrapper Economia europeia permanece fraca - Alemanha em foco A fraqueza da economia europeia e a confiança de que a inflação na zona euro está no caminho certo para estabilizar no objetivo de 2% foram os dois grandes motivos que levaram o BCE a voltar a reduzir os juros na reunião desta quinta-feira. Os dados mais recentes do Eurostat revelam que a atividade económica na zona euro esteve praticamente estagnada no final de 2024 – o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,1%, tendo desacelerado face ao trimestre anterior (0,4%). E na Alemanha e na França, as duas principais economias europeias, foi mesmo registada uma contração do PIB. Aqui, o alívio da política monetária servirá como estímulo ao consumo e ao investimento europeu, na perspetiva de despertar o crescimento económico, sobretudo na Alemanha, numa altura em que o país acaba de sair de eleições, passando a ser liderado pelo novo chanceler Friedrich Merz, que terá de negociar uma solução governativa por não ter conseguido maioria absoluta. Aliás, perante a mudança radical na política externa dos EUA, na quarta-feira, o "seu partido CDU/CSU chegou a acordo com os sociais-democratas para reformar o travão da dívida, de modo a permitir aumentos ilimitados das despesas públicas com a defesa", lembram os especialistas da Ebury Portugal, que acreditam que "o aumento da despesa fiscal com a defesa por parte da Alemanha e dos outros Estados-membros da UE poderá reacelerar o crescimento económico, aumentando o investimento, criando empregos e aumentando o consumo". Mas, caso se verifique, o BCE terá "muito menos margem para baixar as taxas a médio prazo". “O processo de desinflacionista está bem encaminhado”, Conselho do BCE "A política monetária está a tornar-se significativamente menos restritiva, com as reduções das taxas de juro a tornarem a contração de novos empréstimos menos onerosa para as empresas e as famílias e o crescimento do crédito a recuperar", referiu o Conselho do BCE na nota de imprensa divulgada após a reunião. Mas admite que "a economia enfrenta desafios contínuos", havendo mesmo uma revisão em baixa das projeções de crescimento do PIB para 0,9% em 2025, 1,2% em 2026 e 1,3% em 2027. "As revisões em sentido descendente para 2025 e 2026 refletem exportações mais baixas e a continuação da fraqueza do investimento, decorrente, em parte, da elevada incerteza em termos de políticas comerciais e da incerteza mais geral a nível de políticas", explicam desde o guardião do euro, dando nota que a subida dos rendimentos reais e o desvanecimento gradual dos efeitos dos anteriores aumentos das taxas de juro vão impulsionar a procura com o tempo. Inflação na zona euro estará no caminho certo? O BCE presidido por Christine Lagarde voltou a frisar que “o processo de desinflacionista está bem encaminhado”, acreditando que a inflação na zona euro atingirá o objetivo de médio prazo de 2% ao longo deste ano. Acontece que, nos últimos meses, esta taxa tem oscilado ligeiramente acima deste patamar, tendo-se fixado em 2,5% em janeiro e em 2,4% em fevereiro (segundo as previsões do Eurostat). E a taxa de inflação subjacente – que exclui os produtos energéticos e os bens alimentares não transformados, que são mais voláteis – continua inalterada nos 2,7% desde setembro de 2024. Os especialistas do BCE projetam agora que a inflação global se situe, em média, em 2,3% em 2025, 1,9% em 2026 e 2,0% em 2027. "A revisão em alta da inflação global para 2025 reflete uma dinâmica mais forte dos preços dos produtos energéticos", esclarecem. Já a inflação subjacente deverá fixar-se numa média de 2,2% em 2025, 2,0% em 2026 e 1,9% em 2027. Além disso, as incertezas perante a evolução da inflação na zona euro cresceram desde que Donald Trump assumiu a presidente dos EUA no início de 2025, perante a sua ameaça ao aumento das tarifas alfandegárias na União Europeia (UE). "Os crescentes atritos no comércio mundial elevam a incerteza em torno das perspetivas de inflação na área do euro. Uma intensificação geral das tensões comerciais pode levar à depreciação do euro e à subida dos custos das importações, o que exerceria pressão em sentido ascendente sobre a inflação", explicou Christine Lagarde na conferência de imprensa após a reunião. Até porque a Reserva Federal dos EUA não tem mostrado pressa em reduzir os seus juros de referência, aumentando o fosso das taxas entre os dois lados do Atlântico. "Ao mesmo tempo, uma menor procura de exportações da área do euro em resultado de tarifas mais altas e um redirecionamento das exportações de países com excesso de capacidade para a área do euro exerceria pressão em sentido descendente sobre a inflação", referiu ainda a presidente do BCE no mesmo documento. Inflação na Zona Euro: como evolui? Taxa de inflação homóloga (%) Dados de fevereiro são provisórios 202020212022202320242025012345678910% Zona Euro Fonte: EurostatCriado com Datawrapper Qual o futuro das taxas do BCE em 2025? Depois de março, o futuro das decisões do BCE é ainda mais incerto, dependendo não só dos dados económicos dentro do espaço europeu, mas também dos desenvolvimentos da conjuntura geopolítica, que poderão tocar as taxas de câmbio, os custos das importações e exportações, bem como os investimentos. "Especialmente nas atuais condições de crescente incerteza", o Conselho do BCE "seguirá uma abordagem dependente dos dados e reunião a reunião para decidir a orientação apropriada da política monetária", referiu na nota de imprensa, reforçando que "não se compromete previamente com uma trajetória de taxas específica". A próxima reunião do Conselho do BCE vai realizar-se a 17 de abril. E está aberta a possibilidade de avançar com uma pausa nas descidas das taxas nessa data, sobretudo pelos membros mais conservadores, que têm vindo a alertar que o fim dos cortes dos juros do BCE está a aproximar-se, até porque o intervalo de neutralidade está definido entre 1,75% e 2,25%. Recentemente, Isabel Schnabel, da comissão executiva do BCE, disse em entrevista ao Financial Times que “estamos a chegar perto do ponto onde poderemos ter de fazer uma pausa ou mesmo parar os nossos cortes nas taxas de juro”, sublinhando que “precisamos de começar esta discussão”. Também Pierre Wunsch, governador do Banco da Bélgica, defendeu há dias que o BCE deve estar preparado para os interromper o ciclo de descida dos juros em breve, indicando que se sentiria confortável com taxas nos 2% no final do ano – o que indica mais dois cortes de 25 pontos base. A oscilação da inflação na zona euro - sobretudo devido ao aumento dos custos da energia - e o potencial aumento da despesas com a defesa por parte dos Estados-membros, podem "reduzir a margem de manobra do BCE”, alertam os analistas da Ebury Portugal. "Os decisores políticos vão, sem dúvida, congratular-se com os progressos que estão a ser feitos no sentido de uma maior despesa fiscal na Europa, em particular com os esforços para aliviar o travão da dívida na Alemanha. Isto deverá aliviar a carga sobre o BCE para sustentar a atividade económica no bloco e, acreditamos, pode diminuir a necessidade de um ritmo agressivo de cortes daqui para a frente", referem os mesmos analistas, que admitem que é muito provável que o BCE interrompa o ciclo de cortes na próxima reunião de abril. "Os mercados antecipam mais cortes pelo BCE até junho, situando a taxa dos depósitos nos 2%", refere Michael Krautzberger, diretor de Investimento Global em Obrigações na Allianz GI, argumentando que “o crescimento da zona euro continua a ser desfavorável, apesar dos indícios de recuperação na Alemanha, a maior economia da região". O analista assume ainda que "existe o risco de que essa taxa seja inferior a 2% antes do final deste ano". Já Martin Wolburg, economista sénior da Generali Investments, tem a expectativa de uma taxa final de 1,75%, provavelmente atingida em julho. Com uma "perspetiva fraca de curto prazo, as condições para uma recuperação ainda são vistas como existentes e o processo de desinflação é considerado bem encaminhado”, justifica, salientando que, ao mesmo tempo, há "a incerteza quanto ao impacto potencial das tarifas". “As crescentes controvérsias certamente não tornam mais fácil concordar com mais cortes de taxas, e podem levar a uma desaceleração do ritmo”, disse Jari Stehn, economista-chefe europeu do Goldman Sachs, admitindo que “uma pausa em abril parece possível, mas um novo corte ainda é provável”. O Bankinter acredita que haverá um novo corte dos juros do BCE em abril, levando a taxa de depósitos para os 2,25%, não excluindo uma nova redução adicional até ao final do ano caso a economia desacelere devido a uma intensificação da política comercial norte-americana. Na visão do economista-chefe do Bank of America para a Europa, Rubén Segura-Cayuela, haverá um aumento de divergências dentro do Conselho do BCE daqui em diante. "Esperamos um crescimento das divisões sobre a manutenção do conceito de 'restritivo' na comunicação do BCE. [...] A sua remoção poderá ser mais provável na reunião de abril", explica, dando nota que Bank of America continua a apontar numa redução dos juros até 1,5% em setembro. As próximas reuniões do BCE O Conselho do BCE reúne-se aproximadamente de seis em seis semanas. Este é o calendário das próximas reuniões de política monetária do guardião do euro, nas quais vai anunciar as suas decisões sobre as taxas de juro diretoras: 17 de abril de 2025 5 de junho de 2025 24 de julho de 2025 11 de setembro de 2025 30 de outubro de 2025 18 de dezembro de 2025 Fonte: Idealista News Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado